quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Retratos

São Paulo. 17:49.
O entardecer lindo e o transito parado.
As motos passam e as sirenes nos perseguem. Sempre há uma sirene por aqui.
Era uma ambulância. Ouvi dizer que 90% das ambulâncias que passam com as sirenes ligadas cortando o transito, não carregam ninguém adoentado dentro. No carona da ambulância o rapaz boceja. Não tem ninguém ali dentro, certeza. Eu sei que pessoas morrem o tempo todo, mas bocejar com alguém morrendo ao lado é muita falta de consideração.

23 de maio.
Um homem salta do carro e começa a chutar a porta do ônibus que está parado atrás. Será que bateu? Passo ao lado e no carro nada. Amigo, você e o carro estão bem, vá pra casa e vida que segue. Tem gente que entra a toa em situações em que só tem a perder. Lamentável.

Primeira. Ponto morto. Primeira. Ponto morto.

O ritmo só é interrompido pela emergência das sirenes. Espremem-se todos nos cantos e pronto, já passou a emergência, voltemos à rotina.
A gente se acostuma com o ritmo e leva ele pra vida também. Primeira, ponto morto, e quando necessário, correr nas emergências.

Um carro saindo do motel. Não é a esposa. Em plena quarta feira dar umazinha no happy hour, ou melhor, um happy hour com happy end. Não era a esposa. Eu tenho que parar de ver maldade, podem ser solteiros curtindo uma tarde juntos ué, por que não? Mas que não era a espora, ah não era.

Ao redor as pessoas com a mesma expressão. Quase todas com meio braço apoiado na janela, o olhar vago e o pensamento distante. Pensando talvez em contas, em trabalho ou na luz do óleo. Será que notaram o pôr do sol? O senhor do carro a esquerda faz uma cara de satisfação. Pode ter lembrado de uma gracinha do filho ou soltado um peidinho. Vai saber.

No rádio a voz do Lewandowski sugerindo uma procrastinação eterna. “Deixemos pra depois” diz ele com o rebuscado vocabulário jurídico. Eu não posso nem julgar, procrastino sempre que possível. Pecamos muito por excesso de paciência, mas confesso, cansei da infindável reclamação contra corrupção, cansei das filosofias políticas de boteco. Cansei de me preocupar com o que está tão longe de mim e não me fará passar mais rápido por esse transito. Aliás, esqueci de marcar o dentista, já fazem dois meses que me esqueço.

Desligo o rádio, reclino um pouco o banco, e começo a cantar alto a minha música favorita. Quem passar vai logo pensar que foi o transito que me deixou assim.

Cheguei em casa. Ponto morto. Boa noite.

sábado, 9 de novembro de 2013

Aos homens.

Você homem, que perde a paciência quando a sua mulher começa a se maquiar, e não entende o porquê passar duzentas e quarenta e cinco coisas na cara. Apenas respire fundo e conforme-se.

Você pode não ver propósito prático nesse ritual, mas até o fim desse texto você entenderá os benefícios disso também pra você.

Nós mulheres convivemos com oscilações hormonais e cobranças estéticas constantes. O ato de se maquiar já denota que a sua mulher está bem consigo mesma, e quer apenas se sentir mais bonita – principalmente para você. Quando ela não se maquiar preocupe-se e mantenha uma distância segura. Mau humor e baixa autoestima dando sinais alarmantes, e há a possibilidade iminente de uma TPM.

E você questiona: “Nós vamos logo ali. Não precisa disso tudo”.
Amigo, se ela quer passar, precisa!

Vocês nunca entenderão as inúmeras correções que fazemos em defeitos que só nós vemos. As incontáveis nuances e delicadezas que fazemos para parecermos naturalmente lindas. E ainda bem que vocês não entendem, essas meninices são patrimônio só nosso.

Não fale que ela já é linda e não precisa disso. Nas primeiras vezes é fofo, depois vira um porre.

Não fique assistindo, pressionando para que ela vá mais rápido. Ela vai ficar irritada, e é provável que por quinze minutos entre sombras e batons, você ganhe um dia inteiro de cara de bunda.

Nunca, em hipótese alguma, saiba distinguir todos aqueles potinhos. Menos ainda dê a entender que sabe se maquiar dizendo que o côncavo dela este pouco esfumado. Caso você cometa essa falha, ela suspeitará – com muitas chances de ter razão – que você beija rapazes.

Uma mulher que se sente bem arrumada se sente também mais segura e confiante. E se você for um homem inteligente e igualmente seguro, vai querer essa mulher radiante de propaganda de absorvente ao seu lado.
Agora amigo, se você for do tipo bronco, pouco interessado no bem estar da mulher que está ao seu lado, a porta de saída está escancarada pra você.

Mulheres tem duas grandes armas: lágrimas e maquiagem. Napoleão Bonaparte

Isso serve para maridos, namorados, amigos, irmãos, pais e todos os homens que fazem aquela expressão tediosa nessas ocasiões mais femininas.
Respire, vá jogar videogame, tome uma cerveja, e deixe ela brincar de ser linda.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Relações:

sf. convivência, frequência social entre pessoas.”

E não é que o tal de Mark conseguiu modificar a maneira como toda uma geração compreende uma palavra.
Talvez seja a tradução, ou quem sabe a culpa seja dos gráficos, mas essa coisa de “em um relacionamento sério” está muito mal colocada. Esse fragmento da expressão relacionamento amoroso sempre me incomodou por não dar significado real, e tornar a frase muito genérica.
Nem todo relacionamento é amoroso, e nem tudo que é amoroso pode ser classificado como relacionamento, ou então como sério.

Ter os nossos círculos de convivência faz parte da condição humana, e essa analogia é importantíssima em todo grupo. Identificação e afinidades formam os nossos grupos, e por assim, os relacionamentos.
Você se relaciona com a sua família, com seus colegas de trabalho, se relaciona no bar, e não me leve a mal, mas você também se relaciona com o seu porteiro. Obviamente você não coloca em seu perfil “em um relacionamento sério com Chico da portaria” mas veja bem, o cara protege a sua casa e tem as chaves do seu apartamento, vai dizer que isso não é sério.

Entendemos então que relacionamento é convivência, e que isso não está necessariamente ligado á sentimentalismo ou romance.

Desde muito antes do Poetinha cantar que “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho.” estamos á procura do nosso fundamental, e é aí que entra o famigerado relacionamento amoroso.

Chegamos as redes sociais, e desde que pudemos observar de perto a vida dos outros decidimos cagar regras de comportamento que muitas vezes nem nós mesmos concordamos ou seguimos.

Ninguém sabe (ao menos não deveria) o que está compreendido entre um casal. A intimidade deveria, em teoria, ser o bem mais valioso de uma relação. Preservar esse âmago fortifica a confiança e a cumplicidade, e cá entre nós, deixa tudo mais gostoso. O problema é que para alguns de nós é muito mais importante parecer ser feliz, de que sê-lo de verdade, e isso fere a cumplicidade de um casal quando ela é anunciada nas redes sociais para gente que não tem absolutamente nada a ver com o seu amorzinho.

Não sou a favor da regulamentação das relações, e nem dessa coisa de se estabelecer como, quando, onde, e pra quem algo possa ser feito ou falado. E cá entre nós, aviso prévio de namoro deve ser um porre. Entretanto, tenho as minhas preferências pessoais, que eu procuro aplicar a mim e a quem deseja seguir comigo.

Respeito, ta aí! Se eu pudesse aplicar uma emenda na ‘regulamentação das relações’ eu colocaria o respeito acima de tudo. Vem de caráter e é difícil encontrar em todo mundo, mas acho uma qualidade fundamental em qualquer tipo de relacionamento, com o Chico porteiro inclusive.

Até pela definição da palavra relacionamento não acredito em relações á distância. Convivência e frequência social também fortalecem a intimidade, e é extremamente importante conhecer bem a pessoa com quem se quer dividir algo.  
Quando envolvidos queremos conhecer a pessoa que nos encantou, e é natural que as pessoas queiram mostrar apenas o melhor de si. É necessária a convivência, é importante conhecer a pessoa em todas as suas nuances. E é justamente o lado ruim que torna tudo real e forte o suficiente pra seguir.

Conte tudo o que há no mundo a se saber sobre você, e deixe que a sorte determine o resto.

Eu pessoalmente não consigo entender os benefícios de se fazer declarações públicas em redes sociais, bradar amores e paixões aos olhos dos outros, se quando a sós são como estranhos, são desconexos e o ritmo não encaixa. Cada um sabe o que lhe cai melhor.

Não devemos e nem podemos impor nossas preferências aos outros.

Eu, por exemplo, sou uma pessoa apaixonada. Chego a essa conclusão quase todos os dias, especialmente naqueles em que a gente sente que ganhou o dia por conhecer alguém.

Nunca soube dizer quantos relacionamentos eu tive, nunca entendi o que determina isso.

Já amei e abandonei, já fui amada e preferi não acreditar. Já dividi vida, medos, sucessos e fracassos e nem por isso posso dizer que foram todos relacionamentos, ou posso. Prefiro chamá-los de cúmplices, parceiros, amores.

Gosto muito de receber um “eu te amo” ao pé do ouvido, mesmo que seja apenas uma maquiagem para o “eu te quero”.
Tenho um relacionamento que acontece todos as madrugadas com cobertura de cumplicidade e romantismo, e a cereja meus caros, só podia ser a luxúria.
Tenho também um daqueles relacionamentos complicados onde tem amor, mas tem também briga, reconciliação. É meu melhor amigo, mas é necessário às vezes o afastamento para esfriar o sangue e então ser possível ouvir os sentimentos.
Tenho um relacionamento platônico, onde eu amo ser o que ele quer. Onde uma única pessoa consegue reunir tudo que eu admiro em seres humanos, e especialmente em um homem. Vai dizer que não é bom gostar assim, com tudo, corpo, mente e alma?



No momento eu me encontro num relacionamento muito enrolado, e nada sério com a vida.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Apenas 20 centavos

Há tempos estávamos a cerca de todo tipo de expressão de repúdio ou afinidade, a todo tipo de assunto ou causa, de artes a política.
Temos a internet dando verbo a quem não chega a ser substantivo, e as ruas servindo de palco e palanque pras mais diversas formas de expressão do ser.

Com a massificação das informações que temos a todo minuto, estamos cada vez mais treinados a fazer a nossa própria triagem de interesses. Bloqueamos na internet e desviamos na vida real, apenas para evitar o desgaste do confronto com opiniões xiitas em discussões que dificilmente chegariam a algum lugar.

Dentre os movimentos que vão as ruas, sempre existem aqueles que consideramos legítimos de acordo com os nossos próprios interesses, que concordamos com as reivindicações, e que talvez – se não tivéssemos mais nada pra fazer – nos juntaríamos ao movimento, tentando colocar mais uma voz nesse barulho muitas vezes abafado pelos interesses da cidade.

Eu, particularmente, sempre soube dos movimentos que me interessavam só depois de já terem ocorrido, quase sempre com uma nota breve na TV. Nunca fui convidada, e nunca vi divulgação ou convite público.
A falta de divulgação deixa um ar político-partidário com o qual eu não me identifico. Me recuso a participar de um ato orquestrado por partidos políticos, já que a minha busca é social e não partidária, assim como todo cidadão que não encontra em um só partido identificação total com os ideais. Sempre me perguntei quais seriam os interesses reais dessas manifestações.

As manifestações mais divulgadas, - e assim mais populares - se tornam um grande circo, sem maiores intenções se não uma grande confraternização. E tomo por exemplo a PARADA GAY, que já teve um motivo legítimo, e hoje se tornou uma festa de aberrações, onde o importante é chamar atenção e chocar, muito mais do que reivindicar.

***

O MOVIMENTO PASSE LIVRE começou tímido e com o apoio de partidos políticos, como tantos outros movimentos. Eles reivindicavam a redução do valor da passagem do transporte público, que recentemente foi acrescido de 20 centavos.
O problema real não era o aumento no valor da passagem, mas a relação de custo e benefício para a população.

A cada ato o movimento foi ganhando força, e chamando atenção de diversas formas.

Como em todo grupo de pessoas, existem as bem intencionadas e as que se unem a massa com motivações menos louváveis. Dessa forma, os atos que começavam pacíficos, terminavam em vandalismo e depredação, sendo necessária a intervenção policial. Excessos ocorriam de ambas as partes.

A imprensa até esse momento se mostrava contra as manifestações, condenando os atos, e generalizando os manifestantes. Reduziam todos aos ateadores de fogo e pixadores. Classificavam os manifestantes como filhos-de-papai revoltosos.

Nas redes sociais eu vi uma série de comentários mesquinhos, de pessoas que se diziam muito prejudicadas “na MINHA volta pra casa, a MINHA tranquilidade, o MEU direito de ir e vir”, questionando inclusive a moral daqueles que pediam pela redução da tarifa.

Chegamos ao quarto ato. Mais pessoas aderiram à causa, e a manifestação toma proporções ainda não vistas no país.
O Estado, despreparado para lidar com a situação, atua com violência desproporcional, e contra quem vê pela frente, sendo manifestante ou não. De maneira tão repressiva quanto na época ditatorial, onde a arma do Estado era a própria repressão.

O contingente policial era imenso, - contingente esse que não vemos em ocasiões como a Virada Cultural ou outros eventos pela cidade, onde nos sentimos vulneráveis e desprotegidos. Enquanto no dia-a-dia mal se repreende criminosos realmente perigosos, nessa ocasião até vinagre foi crime.

É nesse momento que o Estado dá um tiro no pé. O Estado foi o grande responsável pela proporção da revolta, muito mais do que os ideais que todos já tinham bem antes dos 20 centavos.

A população sentiu a dor de cada bala de borracha em pessoas desarmadas. Cada bomba de gás atirada arranhou a garganta de cada brasileiro. Cada borrachada em uma pessoa gritando “sem violência” machucou o orgulho de uma sociedade já cansada de ser subjulgada e tratada com descaso por quem foi eleito pra fazer justamente o contrário.

Já não eram mais 20 centavos. Era por todo o resto, e por não aguentar mais. Era pela esperança. Era pelo nosso futuro, e pelo futuro dos nossos filhos. Não era por mim, era por nós, era por todos. Era porque pela primeira vez na vida de muitos, vimos a nossa população se unir numa só voz por um motivo legítimo e com esperança.

Nunca eu havia visto tantos interessados em política e em mudança, e melhor, acreditando.
As redes sociais ficaram lindas aos meus olhos.

No dia seguinte ao mais violento ato, muitos dos discursos haviam mudado, inclusive o da imprensa, que sentiu na pele a força repressiva e sem justificativa do Estado que estavam defendendo. Essa não é uma causa onde possa haver um meio termo, de qualquer maneira nos sentimos ofendidos.

Infelizmente muito da culpa dos excessos caíram sobre a PM, e havia os que não culpavam a instituição, mas culpavam os policiais como pessoas, com expressões tão horrendas que me faziam questionar a humanidade dos envolvidos.
Faltou para muitos a compreensão de que os policiais são trabalhadores exercendo a sua função. E que por mais que concordassem com os ideais ali expostos tinham ordens a serem cumpridas. O policial é também mal remunerado, mal preparado, e estavam em sua maioria tensos por enfrentar uma situação para a qual não foram preparados.
O policial não atirou bombas de gás ou balas de borracha sozinho. Com o dedo no gatilho também estava cada governante que já se omitiu, ou reprimiu. Cada representante do povo que corrompeu ou foi corrompido também tinha as mãos naquelas armas.
Sim, houve excessos, mas ambos os lados tem as suas laranjas podres.

Uma grande mobilização começou a tomar conta das redes sociais em direção ao quinto ato que foi grandioso em ideias, números, e principalmente civilidade.
Foi para muitos, inclusive para mim, uma emoção indescritível. O ápice do sentimento patriota de uma geração que por muito tempo foi apática, alienada, e sem influencia.
O chamado “vem pra rua” nos trouxe de novo o hino, o amor, e a profunda compreensão daquela parte onde “Verás que um filho teu não foge á luta”.

Talvez sem a repressão o movimento tivesse definhado, talvez se não houvesse excessos ninguém teria se incomodado ao ponto de sair de casa. Talvez...vai saber.

Das mais bonitas demonstrações de humanidade que já presenciei, estavam os estudantes de medicina e enfermagem que se disponibilizaram a montar pontos de ajuda, os advogados que se empenharam a ajudar os detidos, e as pessoas que moravam nas rotas dos protestos e cederem abrigo e água pra quem precisou.

Poucos excessos e muita emoção marcaram o quinto ato.

Hoje, depois de tanta mobilização, depois de ver coisas boas e ruins em ambas as partes dessa negociação, depois de ver motivos legítimos e argumentos não louváveis, eu me pergunto onde esteve a organização do Movimento durante esse tempo. Eu, pessoalmente, não os vi ativamente...
Depois de toda a mobilização, e de todas as vezes que falamos que não é só por 20 centavos, eles insistem que tudo isso é única e exclusivamente pela redução da tarifa.
Me recuso a acreditar que tenhamos sido massa de manobra, e acredito firmemente que precisamos de uma organização SEM MOTIVAÇÃO PARTIDÁRIA que lute junto conosco por motivos mais amplos.

Hoje, no café da manhã estão Dilma, Geraldo e Haddad:
Dilma: “Ah se soubéssemos que 20 centavos nos custaria tão caro”.
Geraldo: “Eu teria colocado do meu bolso, só pra evitar falatório”.
Haddad: “Eu teria sucateado de outro lugar. Que besteira fomos inventar!”

***


O movimento passe livre foi o começo, ele nos inseriu no contexto. Não queremos e nem podemos parar por aqui...

sábado, 20 de abril de 2013

Os outros

Para nós, o problema são os outros.

Todos os dias eu vejo alguém dizendo que o problema do Brasil são os brasileiros, ou que o mundo está mal frequentado. Mas, me corrija se eu estiver errada, você e eu não somos também brasileiros? E afinal, não frequentamos o mesmo mundo?

O brasileiro é sempre o outro.

Costumamos nos desassociar, nos sentimos muito diferentes de tudo isso que ai está. Criticamos a corrupção, os mensalões e os Cachoeiras, mas pagamos para passar na prova do DETRAN.
Hoje eu colo numa prova, amanhã sou eleita a um cargo público e desvio uma verbazinha, mas veja só, é apenas um desvio pequeno, um pecadilho diante dos grandes superfaturamentos. Por que eu não posso fazer se todo mundo faz, e faz até pior?

O “jeitinho” brasileiro só é ruim quando não me favorece, quando o outro toma vantagem na fila eu critico, brigo, clamo pelos meus direitos. Agora se eu ganho vantagem, nem lembro o que são deveres. Eu sou malandro e você é mané.

Cidadania? Claro que é importante, mas quando?

Temos olhos de lince pro que há de errado fora, mas temos um ponto cego pro que há de errado dentro. Costumamos construir uma imagem de nós mesmos com a qual possamos conviver, e quem sabe até admirar. Não é consciente, mas é conveniente.

Se conseguíssemos por um momento sair de nós mesmos e nos olhar de fora, perceberíamos que muitas vezes estamos fazendo exatamente aquilo que condenamos –corretamente – nas atitudes dos outros.

O amadurecimento pode estar na autoavaliação a partir de um ponto neutro.

Nem eu, nem você, e nem ninguém é nem um pouco diferente de tudo isso que chamamos de sociedade, tudo isso que aí está.

Aliás, eu não, eu sou escandinava.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Sr. Cesar

Meu avô não foi ninguém. No entanto, que grande homem ele foi para mim.

Esses dias com saudade, sonhei com ele. E como foi real! De tão realista, o sonho foi curto, foi breve no tempo de um abraço. Foi o único sonho que tive com ele em oito anos. Tenho um pouco de inveja de quem conviveu mais com ele, e assim, hoje pode tê-lo mais vivo nos sonhos e na memória.

Por esses dias, me sentindo um pouco sozinha, peguei o telefone antigo e liguei pra ver se ele atendia lá no céu. E Deus sabe o quanto eu queria que ele pudesse atender.


                                                   ****


- “Arô”?

-  Vô?! Como o senhor está?

- Ora, mas como eu deveria estar? Aqui tá tudo azul Lambes!

- Vô, eu não quero contrariar, mas acho que o senhor foi muito apressado, e foi embora muito cedo. Eu ainda preciso do senhor aqui. Veja só o senhor que eu nunca mais comi cacau!
Quando eu me perco de mim mesma posso imaginar o senhor me dizendo que uma hora eu me acho, mas acho que eu precisava mesmo era de um cola brinco daqueles pra ficar mais esperta e parar com essa birra de menina. Nada na vida me ensinou tanto quanto o senhor.
Sabe vô, parece que desde que o senhor foi embora, o jeito de ser feliz mudou. Falta história, falta família, falta o orgulho inspirador que o senhor tinha de mim. O senhor sempre teve mais certeza de mim, do que eu mesma.
Hoje falta alguma coisa, nem mais o suco de limão cravo tem depois que perdi o senhor...

- Ora, deixe de bestagem que praga de urubu magro não pega em cavalo gordo! Uma hora você se encontra, e uma hora a gente se encontra. Mas não vá se perder demais. Veja, por exemplo, a Tereza, demorei um tempo pra encontrar ela por aqui, porque a jumenta fica em cima de uma nuvem se culpando se chove, ou se não chove. Diz que é sem sorte, veja se eu posso com uma coisa dessa...
Me conte, minhas plantas, como estão?

- Não existem mais vô. Demoliram tudo e construíram uma quadra em cima, são os negócios.

- É, são os negócios. Uma pena, a mexeriqueira “Fernanda” devia estar carregadinha...
O jumento consertou o bug?

- Bom, na verdade consertou, mas se desfez dele...

- É um corno mesmo, e todo castigo pra corno é pouco! Lambes eu vou indo, vou dar uma volta porque eu to cheio de amigos por aqui, vou ali tomar um café de macho e depois a gente se fala...

                                                                           
                                                  ****


Eu sei, que de tudo que posso ter orgulho em mim, foi ele que me deu. E como é triste não tê-lo pra se orgulhar também. E como aquela menina chanel e roliça, eu sempre vou dizer: "Vovô, eu amo você!"

Meu avo não era ninguém. Mas nunca houve ninguém como ele.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Alguma coisa acontece no meu coração...

Eu moro na maior cidade do país, mas ultimamente tem sido melhor não sair de casa.
Eu moro na cidade que tem o 4º maior PIB do mundo, mas aqui se mata por 20 reais, ou por nada mesmo.
Eu moro na cidade com a maior frota de helicópteros do mundo, mas no chão, o transito não me deixa sair do lugar.
A cidade que nunca dorme hoje faz com que os pais, filhos, e avós também não durmam.
Hoje é necessário que quem mora aqui, tenha medo. O valentão aqui não consegue chegar até a esquina.
Existe algo mais paulistano do que sentar num bar no fim da tarde e pedir um chopp?! Pois é, não dá mais!
O seguro agora é o shopping, o seguro é você virar um babaca de internet, fazendo compras e sexo virtual para não correr riscos.
Eu amo a minha cidade, tenho um bruta orgulho de ter nascido e crescido aqui, mas eu queria que meus filhos pudessem dizer o mesmo.
Saudade dos tempos nos bares de calçada, onde a minha preocupação era se meu copo estava vazio e não onde estava a minha bolsa.
São Paulo vai perder muito da sua cultura assim, vai perder as filosofias de boteco, os amigos de boteco, isso sem contar a perda inestimável das comidas de boteco.
Tudo bem, quem sabe inventem o delivery do frango a passarinho...
E ficaremos aqui, com uma cota de imbecis de Hollister, com o Nike no pé quem sabe dizendo "Meo, você viu esse aplicativo do Iphone?!"
Uma outra cota ficará nos faróis, nos pedintes, nos batedores de carteira. Aqueles que não são maus o suficiente para causar medo, nem bons o suficiente para conseguir um emprego, na maioria cidadãos de uma outra cidade chamada cracolândia.
E por último a parcela que se espreme no transporte coletivo insuportavelmente lotado nos horários de pico, aquela parcela da população que demora 2 horas pra chegar no trabalho, ganha um salário mínimo, chega em casa tarde e sai cedo pro trabalho. 

Quando não pudermos mais, que a fé nos ajude, mas quando o mundo pesa, não vai ser de reza que você vai viver.