Há
tempos estávamos a cerca de todo tipo de expressão de repúdio ou afinidade, a
todo tipo de assunto ou causa, de artes a política.
Temos
a internet dando verbo a quem não chega a ser substantivo, e as ruas servindo
de palco e palanque pras mais diversas formas de expressão do ser.
Com
a massificação das informações que temos a todo minuto, estamos cada vez mais
treinados a fazer a nossa própria triagem de interesses. Bloqueamos na internet
e desviamos na vida real, apenas para evitar o desgaste do confronto com
opiniões xiitas em discussões que
dificilmente chegariam a algum lugar.
Dentre
os movimentos que vão as ruas, sempre existem aqueles que consideramos
legítimos de acordo com os nossos próprios interesses, que concordamos com as reivindicações,
e que talvez – se não tivéssemos mais nada pra fazer – nos juntaríamos ao
movimento, tentando colocar mais uma voz nesse barulho muitas vezes abafado
pelos interesses da cidade.
Eu,
particularmente, sempre soube dos movimentos que me interessavam só depois de
já terem ocorrido, quase sempre com uma nota breve na TV. Nunca fui convidada,
e nunca vi divulgação ou convite público.
A
falta de divulgação deixa um ar político-partidário com o qual eu não me
identifico. Me recuso a participar de um ato orquestrado por partidos políticos,
já que a minha busca é social e não partidária, assim como todo cidadão que não
encontra em um só partido identificação total com os ideais. Sempre me
perguntei quais seriam os interesses reais dessas manifestações.
As
manifestações mais divulgadas, - e assim mais populares - se tornam um grande
circo, sem maiores intenções se não uma grande confraternização. E tomo por
exemplo a PARADA GAY, que já teve um motivo legítimo, e hoje se tornou uma
festa de aberrações, onde o importante é chamar atenção e chocar, muito mais do
que reivindicar.
***
O
MOVIMENTO PASSE LIVRE começou tímido e com o apoio de partidos políticos, como
tantos outros movimentos. Eles reivindicavam a redução do valor da passagem do
transporte público, que recentemente foi acrescido de 20 centavos.
O
problema real não era o aumento no valor da passagem, mas a relação de custo e
benefício para a população.
A
cada ato o movimento foi ganhando força, e chamando atenção de diversas formas.
Como
em todo grupo de pessoas, existem as bem intencionadas e as que se unem a massa
com motivações menos louváveis. Dessa forma, os atos que começavam pacíficos,
terminavam em vandalismo e depredação, sendo necessária a intervenção policial.
Excessos ocorriam de ambas as partes.
A
imprensa até esse momento se mostrava contra as manifestações, condenando os
atos, e generalizando os manifestantes. Reduziam todos aos ateadores de fogo e pixadores.
Classificavam os manifestantes como filhos-de-papai revoltosos.
Nas
redes sociais eu vi uma série de comentários mesquinhos, de pessoas que se
diziam muito prejudicadas “na MINHA volta pra casa, a MINHA tranquilidade, o MEU
direito de ir e vir”, questionando inclusive a moral daqueles que pediam pela
redução da tarifa.
Chegamos
ao quarto ato. Mais pessoas aderiram à causa, e a manifestação toma proporções
ainda não vistas no país.
O
Estado, despreparado para lidar com a situação, atua com violência desproporcional,
e contra quem vê pela frente, sendo manifestante ou não. De maneira tão
repressiva quanto na época ditatorial, onde a arma do Estado era a própria
repressão.
O
contingente policial era imenso, - contingente esse que não vemos em ocasiões
como a Virada Cultural ou outros eventos pela cidade, onde nos sentimos
vulneráveis e desprotegidos. Enquanto no dia-a-dia mal se repreende criminosos
realmente perigosos, nessa ocasião até vinagre foi crime.
É
nesse momento que o Estado dá um tiro no pé. O Estado foi o grande responsável
pela proporção da revolta, muito mais do que os ideais que todos já tinham bem
antes dos 20 centavos.
A
população sentiu a dor de cada bala de borracha em pessoas desarmadas. Cada
bomba de gás atirada arranhou a garganta de cada brasileiro. Cada borrachada em
uma pessoa gritando “sem violência” machucou o orgulho de uma sociedade já
cansada de ser subjulgada e tratada com descaso por quem foi eleito pra fazer
justamente o contrário.
Já
não eram mais 20 centavos. Era por todo o resto, e por não aguentar mais. Era
pela esperança. Era pelo nosso futuro, e pelo futuro dos nossos filhos. Não era
por mim, era por nós, era por todos. Era porque pela primeira vez na vida de
muitos, vimos a nossa população se unir numa só voz por um motivo legítimo e
com esperança.
Nunca
eu havia visto tantos interessados em política e em mudança, e melhor,
acreditando.
As
redes sociais ficaram lindas aos meus olhos.
No
dia seguinte ao mais violento ato, muitos dos discursos haviam mudado, inclusive
o da imprensa, que sentiu na pele a força repressiva e sem justificativa do
Estado que estavam defendendo. Essa não é uma causa onde possa haver um meio
termo, de qualquer maneira nos sentimos ofendidos.
Infelizmente
muito da culpa dos excessos caíram sobre a PM, e havia os que não culpavam a
instituição, mas culpavam os policiais como pessoas, com expressões tão
horrendas que me faziam questionar a humanidade dos envolvidos.
Faltou
para muitos a compreensão de que os policiais são trabalhadores exercendo a sua
função. E que por mais que concordassem com os ideais ali expostos tinham
ordens a serem cumpridas. O policial é também mal remunerado, mal preparado, e
estavam em sua maioria tensos por enfrentar uma situação para a qual não foram preparados.
O
policial não atirou bombas de gás ou balas de borracha sozinho. Com o dedo no
gatilho também estava cada governante que já se omitiu, ou reprimiu. Cada representante
do povo que corrompeu ou foi corrompido também tinha as mãos naquelas armas.
Sim,
houve excessos, mas ambos os lados tem as suas laranjas podres.
Uma
grande mobilização começou a tomar conta das redes sociais em direção ao quinto
ato que foi grandioso em ideias, números, e principalmente civilidade.
Foi
para muitos, inclusive para mim, uma emoção indescritível. O ápice do
sentimento patriota de uma geração que por muito tempo foi apática, alienada, e
sem influencia.
O chamado
“vem pra rua” nos trouxe de novo o hino, o amor, e a profunda compreensão
daquela parte onde “Verás que um filho teu não foge á luta”.
Talvez
sem a repressão o movimento tivesse definhado, talvez se não houvesse excessos
ninguém teria se incomodado ao ponto de sair de casa. Talvez...vai saber.
Das
mais bonitas demonstrações de humanidade que já presenciei, estavam os
estudantes de medicina e enfermagem que se disponibilizaram a montar pontos de
ajuda, os advogados que se empenharam a ajudar os detidos, e as pessoas que
moravam nas rotas dos protestos e cederem abrigo e água pra quem precisou.
Poucos
excessos e muita emoção marcaram o quinto ato.
Hoje,
depois de tanta mobilização, depois de ver coisas boas e ruins em ambas as
partes dessa negociação, depois de ver motivos legítimos e argumentos não
louváveis, eu me pergunto onde esteve a organização do Movimento durante esse
tempo. Eu, pessoalmente, não os vi ativamente...
Depois
de toda a mobilização, e de todas as vezes que falamos que não é só por 20
centavos, eles insistem que tudo isso é única e exclusivamente pela redução da
tarifa.
Me
recuso a acreditar que tenhamos sido massa de manobra, e acredito firmemente
que precisamos de uma organização SEM MOTIVAÇÃO PARTIDÁRIA que lute junto
conosco por motivos mais amplos.
Hoje,
no café da manhã estão Dilma, Geraldo e Haddad:
Dilma:
“Ah se soubéssemos que 20 centavos nos custaria tão caro”.
Geraldo:
“Eu teria colocado do meu bolso, só pra evitar falatório”.
Haddad:
“Eu teria sucateado de outro lugar. Que besteira fomos inventar!”
***
O
movimento passe livre foi o começo, ele nos inseriu no contexto. Não queremos e
nem podemos parar por aqui...
Os dias passam e aos poucos tudo vai voltando exatamente do jeito como era antes... Será que o 'Gigante' quer voltar a dormir?
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